Adoção – Quebrando Preconceitos – 1

Publicado em: 2 de abril de 2008.

Não se pode esquecer que a prevenção e a proteção à infância é a única garantia de um futuro melhor.

Depois de Deus, a criança e o adolescente são o que há de mais importante neste mundo. Afirmo isso com total segurança e, se alguém duvida, pergunte a qualquer pai ou mãe minimamente responsável se em sua vida existe algo mais importante que seus filhos.

Essa importância é evidente e tem suas bases, não somente em convicções religiosas, morais, éticas ou sociais, mas até mesmo biologicamente é preponderante o instinto de perpetuação da espécie, que gera a necessidade premente de reprodução e proteção da prole, ou seja, dos filhos, ou seja, de cada criança e cada adolescente.

A Lei, como fruto da vontade do povo, no Estado Democrático de Direito – como é o Brasil – não poderia estabelecer de forma diferente e por isso mesmo a Constituição Brasileira – mais importante Lei de todas – elegeu como a prioridade das prioridades o direito da criança e do adolescente.

Somente uma vez o termo “absoluta prioridade” foi utilizado na Constituição (Carta Magna), e o foi no artigo 227, para dizer:

“Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Mas nem precisaríamos que a CF nos dissesse isso. Cada um sabe da importância das crianças e adolescentes dentro do seu coração.

Garantir a observação dos direitos da infância e da adolescência é garantir o progresso, a evolução e melhoria de vida para todas as pessoas. É investir no futuro.

Numa época em que se discute a diminuição da maioridade penal e se procura meio mais efetivo de repressão aos atos infracionais praticados por adolescentes – por vezes realmente atrozes e hediondos;…

Numa época em que assistimos um verdadeiro “show de horrores” da violência, especialmente contra a criança, como por exemplo, o famoso caso “Izabela Nardoni”, o caso da torturadora de Goiás (torturava a menina-empregada), o caso de Curitiba (a mãe que atirou a filha de 8 meses pela janela, disse que não tinha sentimento algum por ela);…

Numa época em que assistimos as mais atrozes formas de violência contra a criança, nos casos de abuso sexual contra crianças revelados pela CPI contra a Pedofilia, inclusive com a campanha “Todos Contra a Pedofilia” – assistimos a degradação do ser humano – cenas inimagináveis para uma pessoa de bem;…

Não se pode esquecer que a prevenção e a proteção à infância é a única garantia de um futuro melhor.

A prevenção se faz garantido a toda a criança e adolescente seus direitos. Para que cada criança de hoje se torne um cidadão de bem, feliz e útil à sociedade.

O bem estar social e a democracia somente florescem em uma sociedade em que as virtudes cívicas são cultivadas e prevalecem na forma de interesse pelo bem comum. E nenhum conceito de bem comum é compatível com o abandono e o sofrimento de uma criança.

É imperativo que libertemos todas as crianças de toda a forma de violência e abandono!

Não há responsabilidade mais nobre, não há expressão mais clara do bem comum que a redenção de nossas crianças! Em cada menor carente e abandonado havemos de criar um brasileiro que tenha condições perfeitas de exercitar sua liberdade, de forma autêntica, visando o bem de todos!

Os direitos da criança e do adolescente tem de sair do papel e do discurso para a realidade, para o coração e a mente de cada um de nós!

O Direito a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social;

Direito a uma educação de qualidade, que inspire o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais, aos pais, à cultura, idioma e valores brasileiros, bem como ao meio-ambiente, e que prepare para uma vida responsável em uma sociedade livre, com espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos;

Direito ao lazer e ao divertimento sadios, esporte e cultura;

Direito a estar protegido contra a exploração econômica, através do trabalho infantil;

Direito a estar protegido contra toda a forma de violência;

Direito a estar protegido contra o abuso ou exploração sexual;

Direito à vida, desde a concepção, durante a gestação, durante a fase de amamentação, infância e juventude;

Direito à convivência familiar, por cada criança, cada adolescente deve viver em uma família!!

É vital para o Brasil a garantia dos direito das crianças e adolescentes, definidos como prioridade absoluta no artigo 227 da Constituição Federal, especialmente o direito à convivência familiar, através de auxílio às famílias carentes e incentivo à adoção.

Cada criança e cada adolescente devem ter uma família, ou seja, devem ter garantido o direito constitucional de convivência familiar, seja através da família biológica (que deve ser assistida e apoiada), seja através da família substituta (com adoção ou a guarda), uma vez que a criança, inserida em família responsável, terá, por esta mesma família, garantidos todos os seus direitos contemplados na Carta Magna.

Primeiramente observo que, constatando-se que uma criança se encontra em situação de risco (negligenciada, maltratada, etc.), a primeira providência é verificar a situação de sua família, para que esta mesma família seja assistida e apoiada, para que possa resolver seus problemas e fornecer à criança um ambiente saudável. Devem ser envidados todos os esforços para que a criança deva permaneça em sua família biológica.

Para tanto, é preciso que mais e melhores programas de assistência familiar. Existem alguns (inclusive, muito bons), mas entendo que este investimento no núcleo familiar deve ser ampliado e melhorado, com criação de novos programas e capacitação de pessoal para atendimento à família carente.

Entretanto, verificada a impossibilidade de acomodação ou reinserção familiar da criança em situação de risco, deve-se procurar – o mais rápido possível – a colocação desta em família substituta. A criança não dispõe de tempo, é urgente e preponderante a garantia de seus direitos preponderantes. Um dia pode fazer diferença!

Mas infelizmente, via de regra, como se verifica nas Comarcas espalhadas pelo Brasil, nestes casos é gasto enorme tempo entre a verificação inicial da situação de risco e a destituição do poder familiar. Durante este tempo, muitas vezes a criança permanece em um abrigo, com sua situação legal ainda indefinida, até uma sentença Judicial a qualifique como “disponível para a adoção”.

Muitas vezes verificamos que passam-se anos até que seja definida a situação jurídica da criança e, com o tempo, suas chances de adoção vão diminuindo.

Existem casos de crianças que são abrigadas (p. ex.) aos 2 anos de idade e passam 4, 5 ou 6 anos esperando uma definição de sua situação: ou voltam para a família ou vão para a adoção… quando finalmente definida a situação, estas já são consideradas “velhas” e dificilmente conseguirão adoção dentro do Brasil, restando a possibilidade da adoção internacional (à qual faço algumas restrições, que serão comentadas adiante).

É sabido que a esmagadora maioria dos brasileiros que desejam adotar preferem crianças recém nascidas ou abaixo de 3 anos idade, brancas, saudáveis e do sexo feminino. Tal preferência e registrada no momento em que a pessoa (ou casal) se cadastra como possível adotante, perante o Juízo de sua residência.

Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), 80,7% das pessoas cadastradas para adoção desejam crianças com no máximo 3 anos de idade, entretanto, apenas 7% das crianças “disponíveis para adoção” se encontram nesta faixa etária.

Acima dos 10 anos de idade, então, a adoção mostra-se pouco provável e na adolescência (acima de 12 anos), menos provável ainda. No ano passado (2008), em Belo Horizonte/MG, apenas uma adoção de criança acima de 10 anos foi efetivada (p. ex.).

Além disso, há que se considerar que as crianças em situação de risco, consideradas “disponíveis para adoção” ou com situação ainda indefinida, muitas vezes tem um ou vários irmãos, muitas vezes são portadoras de alguma deficiência física ou mental, podem ser portadoras de doenças e são de raças variadas. Apenas 33% das crianças cadastradas para adoção são brancas… e de idades variadas.

Um dos grandes desafios do incentivo à adoção é vencer a barreira do preconceito, estampado nos ditos “perfis de adoção” e também escondidos no fundo da mente de cada um de nós.

A criança abandonada não é criminosa

Sobre esse assunto, de início é bom que se diga que as crianças que estão em abrigos não são criminosos, mas vítimas. Elas foram abrigadas porque seus pais, por motivos variados, não lhes garantiram o mínimo necessário dos seus direitos.

As crianças abrigadas são vítimas de maus tratos, de abandono, de negligência… são vilipendiadas por pais irresponsáveis, alcoólatras, drogados, apáticos, ausentes… por vezes são usadas para mendicância, prostituição, tráfico de drogas… e em alguns casos são órfãos, sem familiares que os possam receber e criar.

Assim sendo, não enxerguemos tais crianças como marginais, mas como seres humanos que não tiveram a felicidade de nascer ou permanecer em uma família responsável. Elas são vítimas, não criminosos.

Aliás, ao contrário dos criminosos – que tem todo um sistema legal que obriga a comunicação de suas prisões e outras providências – as crianças abrigadas por vezes são esquecidas. Permanecem em abrigos, sem uma voz que se levante em seu favor. A prioridade constitucional, nestes casos, é ignorada.

A primeira coisa a se fazer é saber que elas existem! Conhecê-las e entende-las como pessoas importantes e credores de direitos fundamentais e prioritários – inclusive conforme a Lei Máxima de nosso país!

A adotante é o maior beneficiado com a adoção

Também devemos quebrar o entendimento existente, no sentido de que a pessoa que adota é o “benemérito”, é o “herói magnânimo” ou o “salvador” da criança abandonada ou abrigada, supostamente indesejável ou sem valor.

Quem adota o faz (ou deve fazer) por Amor… e o beneficiário do amor é o que Ama.

O pai ou mãe adotivo – ou do coração – é o grande agraciado com a companhia da pessoa adotada, a qual lhe proporcionará oportunidade para exercitar o afeto que tem dentro de si, preencher ainda mais sua vida, dar continuidade aos seus valores.

O que sempre se observa nas adoções bem sucedidas é que o adotante sempre ganha mais do que efetivamente proporciona à criança ou adolescente adotado, o qual, é claro, também ganha em todos os sentidos.

O animus da adoção deve ser esse: a afetividade, o Amor. Adoções movidas por outras intenções que não estas podem ser desastrosas: “modismo, vaidade, filantropia não são compatíveis com este encontro de almas” (Manual do pai adotivo – Sávio Bittencourt).

O amor verdadeiro não depende do vínculo biológico

O verdadeiro pai ou mãe é o que cria. Esse entendimento popular é uma verdade verificada e testada a casa dia.

Aquele que busca se enxergar fisicamente no filho na verdade só ama a si próprio. Por vezes as pessoas buscam adotar uma criança fisicamente semelhante a sua própria raça ou características físicas. Por outras tantas vezes buscam a adoção para suprir uma eventual ausência de filhos. Escondem o fato do próprio adotado.

Adoção deve vir com honestidade e verdade – até porque tudo deve ser assim! Mas neste caso a revelação é ainda mais importante, porque prova que o adotado é filho do adotante, não somente por conseqüências naturais, mas por uma escolha consciente.

O relacionamento familiar é preponderante na formação de uma pessoa

Muitas pessoas tem reservas em adotar uma criança, acreditando em um “determinismo biológico”, ou seja, pensando que se a criança foi filha de uma pessoa de maus hábitos ou de um criminoso poderá herdar geneticamente essas características nocivas.

Sem se negar o valor da genética, entendo que tal crença, que não é científica, esconde um preconceito injusto, uma vez que nega a preponderância relacionamento familiar na formação de uma pessoa.

Muito mais importante do que suas características genéticas é a família em que a criança passa a viver! Através dela, dos ensinamentos e do exemplo, é que se forma a personalidade da pessoa.

Além disso, são inúmeros os casos de pessoas boas que tem filhos criminosos, assim como são muitos os casos de pessoas que são filhos de criminosos e se tornam excelentes pessoas.

Também há que se considerar que não existe “herança genética” perfeita. Todas as famílias tem pessoas boas e ruins, geneticamente falando. Não é a circunstância biológica que nos livrará ou nos imporá este fator, mas o amor com que a pessoa é tratada.

O ser humano não é animal. É, primordialmente, alma. Mais importante que o estigma genético é o “DNA da alma”, citando mais uma vez Sávio Bittencourt.

Assim, identificamos como grandes desafios para a garantia dos direitos da criança e dos adolescente, especialmente o direito de convivência familiar, os seguintes:

Investimento nos programas de apoio à família carente;

Celeridade nos processos (judiciais ou não) de definição da situação jurídica da criança em situação de perigo;

Mudança na “cultura de adoção”, para por fim aos preconceitos de idade, raça ou situação física da criança a ser adotada;

Vamos todos trabalhar juntos, com dedicação, com garra, com Amor, pensado no que é mais importante em nossa vida, o filho… adotivo ou biológico,… mas sempre filho.

Vamos nos lembrar que, enquanto estamos em nossas casas, muitas crianças não tem uma família, sofrem abusos e exploração, sofrem violência… não tem a quem chamar de pai ou mãe…

Vamos lembrar do choro dos mais fracos, dos abandonados…

Vamos lembrar que as crianças são tudo que temos. Garantir seus direitos não é um favor, mas sim o único meio de garantirmos também um futuro melhor.

Carlos José e Silva Fortes
Promotor de Justiça
Curador da Infância e Juventude – Comarca de Divinópolis
Diretor Presidente do Grupo de Apoio à Adoção “De Volta pra Casa”