O promotor e a criança institucionalizada

Publicado em: 4 de outubro de 2008.

Responsabilidade de defender os direitos sociais, tão desejados e necessários para a reversão da exclusão social no País.

Por Sávio Bittencourt

O Ministério Público brasileiro ganhou muitas atribuições novas depois da promulgação da Constituição Federal de 1988. A Instituição cresceu e apareceu, ocupando um lugar privilegiado na democracia brasileira: tem a responsabilidade de defender os direitos sociais, tão desejados e necessários para a reversão da exclusão social no País. Juntaram-se às atribuições tradicionais – atuação no processo criminal, no direito de família, nas causas em que se debatessem interesses de menores – outras tarefas mais vinculadas aos novos direitos: meio ambiente, consumidor, cidadania, saúde, educação, do idoso e da infância e juventude.

Desta forma, o Ministério Público terá o dever de defender os interesses coletivos e os individuais indisponíveis do cidadão. Como exemplos de interesse coletivo podem ser citadas as demandas do meio ambiente e da saúde, cuja intervenção do Promotor de Justiça se destina a assegurar um direito que pertence à coletividade, como o atendimento à saúde de qualidade e eficiência. Já o interesse individual disponível pode ser encontrado na situação de um idoso que sofre maus tratos em sua família e tem sua saúde ou vida colocada em risco por ato de terceiros ou no abandono de uma criança por seus pais.

Para realizar investigações, sem cunho criminal, na busca de soluções para estas questões de cidadania que fazem parte do rol de suas atribuições, o Promotor de Justiça pode instaurar um inquérito civil, sob sua presidência. Neste procedimento administrativo investigatório ele colhe provas, ouve testemunhas, realiza audiências públicas e forma sua opinião sobre o fato investigado. Um dano ambiental que precisa ser corrigido, por exemplo, é analisado no inquérito civil por perícias requisitadas aos órgãos públicos visando a adoção das providências jurídicas para a regeneração da área atingida que será cobrada ao poluidor. O inquérito civil também serve para descobrir a verdade sobre abusos cometidos contra o idoso por seus cuidadores, para subsidiar as ações que vão garantir que ele não seja mais submetido a estas afrontas.

Pois bem. Uma lesão grave a um direito individual indisponível ocorre no caso de institucionalização de uma criança, já que todas as crianças que vivem em instituições estão privadas da convivência familiar, que é garantida pela Constituição Federal. A vida da criança longe de uma família que a ame e eduque, com carinho e cuidados a ela especialmente dirigidos, traz graves conseqüências para seu desenvolvimento intelectual e emocional. Fere sua dignidade de pessoa humana. Temos milhares e milhares de crianças institucionalizadas por longos períodos no Brasil, sem que elas sejam reintegradas a sua família ou colocadas em famílias adotivas. Estão no limbo.

Diante desta demanda social gravíssima e urgente, cabe ao Ministério Público o dever de enfrentar particularmente cada caso de criança abrigada no Brasil. Se seu direito de viver em família é indisponível e se o Promotor de Justiça é o defensor destes direitos, resta uma única solução constitucional: para cada criança abrigada o Promotor de Justiça deve ter um procedimento investigatório para saber as razões do abrigamento e se é possível a reintegração dela a sua família de origem ou se este reencontro é desaconselhável para o melhor interesse da criança e ela deve ser disponibilizada para adoção. Nossa meta é um inquérito civil para cada criança. Com a palavra, o Ministério Público do Brasil.