Educar para a vida

Publicado em: 17 de novembro de 2008.

A educação na família se faz pelas coisas que são ditas, mas mais vivamente pelas coisas que são feitas. Já se disse que “as palavras convencem, o exemplo arrasta”.

Por Sávio Bittencourt (artigo publicado no ESTADO, Fortaleza)

A tarefa de educar as crianças é da família. A escola é um poderoso coadjuvante, mas apenas um coadjuvante. É na família, com a experiência viva do empírico, que os valores importantes são firmados. E a didática familiar não é filosoficamente criada a partir de educadores famosos, tampouco se funda na esteira de elaborações dos doutores dos governos, responsáveis pelos programas oficiais de ensino.

A educação na família se faz pelas coisas que são ditas, mas mais vivamente pelas coisas que são feitas. Já se disse que “as palavras convencem, o exemplo arrasta”. A vivencia do cotidiano da casa, os hábitos das pessoas que circundam a criança, sua forma de agir e reagir aos acontecimentos da vida, tudo isso forma uma influente rede de informações que tendem a se enraizar naquele ser em formação.

O imortal Paulo Freire, no clássico livro Pedagogia do Oprimido, afirma que “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”. É justamente na ação-reflexão do cotidiano, em que vida se desenrola e vai-se indo entre afazeres e trabalho, que ocorre a apreensão dos valores pela criança, a partir da observação do comportamento dos adultos.

Nestes tempos bicudos, de intensa luta pelo dinheiro, pelo dito esforço para ganhar a vida, é imperioso que as famílias tenham a capacidade de se concentrar nas suas ações-reflexões, com a consciência de que tais movimentos, ainda que naturalmente esboçados e realizados no dia-a-dia, são elementos de educação das crianças da casa. O fato é que, em obediência ao senso comum de que devemos trabalhar e o trabalho é a coisa mais importante da vida, muitas vezes nos esquecemos de refletir sobre nossa existência, nosso papel. Vamos indo trabalhando e seguindo em frente como se corrêssemos para uma linha de chegada, postada no infinito. Transformamos nosso viver numa ação-sem-reflexão, ação pura, desumanizada.

John Lennon, que além da genialidade musical possuía um senso de humor sutil, afirmou que “vida é aquilo que acontece enquanto planejamos o futuro”. Perdemos com freqüência a noção da finitude do nosso tempo, nos esquecemos de viver o presente de forma mais intensa. Talvez esta corrida desenfreada pelo trabalho, pelo dinheiro, pelo status e pelo poder tenha cegado nossa geração, e se transformado na maior deseducação de crianças e adolescentes que os tempos contemporâneos poderiam criar. Precisamos refletir sobre nossas ações, mesmo que elas sejam socialmente adequadas, como a valorização exacerbada e desenfreada da vida profissional. São estes os valores que queremos que nosso filhos tenham? Que a vida profissional pode suprir a afetividade da vivência da família, na hora do jantar? Que o ser humano não é definido por seu afetos, valores e amores, mas apenas por sua profissão ou posição?

Estas questões são lançadas para provocar alguma reflexão: de nada adianta falar de amor e não vivê-lo, até porque nenhuma poesia pode expressar melhor o afeto do que o velho e bom beijo artesanal, dado que a boca espontânea do amor. Convido o amigo leitor, ou leitora, a olhar a sua volta e se perguntar o que os seus fazeres estão a ensinar aos pequenos. Aliás, proponho uma nova ação-reflexão aos amigos, todos, de pegar aos filhos pelas mãos e andar vagarosamente pela praça mais próxima, pela praia ou pela beira do rio. Usufrua deste vagar, pois é no “de-vargar” que a vida realmente acontece.