Publicado em: 15 de agosto de 2008.
Proteção integral e o princípio do melhor interesse da criança ou do jovem.
Por Sávio Bittencourt Promotor de Justiça – RJ
Presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção – ANGAAD
Uma máxima muito ouvida pelos que enveredam no estudo do Direito da Infância e Juventude é que todas as regras desta disciplina são regidas por dois princípios nascidos com o Estatuto da Criança e do Adolescente. São eles o princípio da proteção integral e o princípio do melhor interesse da criança ou do jovem. Todos os discursos ouvidos na seara deste ramo do Direito mencionam, ainda que brevemente, estes dois princípios. E o que é um princípio?
Um princípio é uma norma jurídica emanada do corpo geral das regras, que apontam para o objetivo maior de um determinado diploma jurídico. É uma espécie de “moral da história”, a mensagem principal que um grupo de regras dá à sociedade, sempre apontando para a proteção de um determinado bem jurídico da sociedade. Assim, o princípio assume uma importância vital para o Direito, porque ele condiciona a interpretação das outras regras jurídicas. Em outras palavras, para ler um artigo de uma lei e compreender o mandamento que dele emana, é essencial saber qual o objetivo mais importante que aquele tipo de regra quer atingir. Com isso, se pode entender o alcance daquele artigo e como ele deve ser aplicado para proteger aquilo que tem valor para a sociedade.
Pois bem. O princípio da proteção integral sugere que a criança e o adolescente devem encontrar no poder público todo o apoio necessário para que seus interesses sejam atendidos, propiciando uma criação sadia e em condições de proporcionar a formação de seu caráter e personalidade. Destarte, se insere neste contexto a inclusão do atendimento em todas as necessidades, como alimentação, educação, vida familiar e social, dentre outras. A própria família da criança deve ser amparada através de uma rede de atendimento que lhe dê condições de criá-la com carinho e cuidado.
Já o princípio do melhor interesse coloca a criança ou o adolescente em um patamar de superioridade jurídica, quando seus interesses colidem com os de pessoas adultas, vale dizer, a proteção da criança determina que sejam contrariadas vontades e expectativas de adultos, ainda que sejam seus genitores e parentes. Esta prevalência se sustenta no fato de ser a criança e o adolescente uma em formação, que deve ser defendida com a urgência necessária para que tenha condições favoráveis de crescimento, enquanto ainda vive a infância ou a adolescência.
Desta forma, considerando-se que a Constituição Federal, em seu artigo 227, garante à criança o direito à convivência familiar e comunitária, uma missão para todos os integrantes da rede de atenção à criança é mantê-la em família, seja a sua de origem, quando tem as condições de afeto e cuidado para garantir seu desenvolvimento, ou colocá-la em família substituta, através da adoção.
Apesar da clareza meridional destes princípios, o preconceito demagógico que paira sobre alguns setores da rede acarreta o abando criminoso de crianças e adolescentes em abrigos, sob o argumento de que a reintegração familiar é uma obrigação inafastável. Sem opor qualquer embargo ao fato de que, sendo possível e conveniente para a criança, a reintegração deve ser tentada, é imperioso se registrar que uma reintegração desastrada e indevida acarreta mais danos para as crianças do que sua separação da família de origem, quando há a possibilidade da adoção por pessoas preparadas para criá-la e amá-la. Até mortes por esquartejamento já ocorreram quando imperou a demagogia contra o bom-senso.
Uma das últimas manifestações dessa corrente demagógica foi a inclusão no Projeto de Lei da Adoção, nos estertores de sua tramitação na Câmara dos Deputados, de um dispositivo proibindo a adoção de crianças filhas de adolescentes. O canto de sereia é o de sempre: o ideal é que a criança fique com sua mãe adolescente. Mas a realidade do mundo demonstra que este dispositivo traria uma situação de insegurança jurídica absoluta para a criança que teria que esperar até sua genitora completar a maioridade para ser colocado em adoção, caso sua mãe não angariasse condições para assumir seu papel de proteção ao filho.
Em outras palavras, ainda que a adolescente tivesse uma vida complicada, cedida aos vícios, prostituída, agressiva ou errática, ainda assim, uma criança inocente teria que se submeter ao risco de viver nessas condições ou ser colocada em uma instituição, para mofar e definhar psicologicamente enquanto as autoridades tentassem a improvável transformação de sua genitora. É cruel. Desrespeita o princípio do melhor interesse da criança já que esta passaria a ser refém dos interesses de uma adolescente. A criança é tratada como uma coisa, que pode ficar depositada ou exposta a comportamentos inadequados. Tudo em nome da grande demagogia que entorpece os espíritos daqueles que deveriam justamente defender os interesses das crianças.
Felizmente a regra não está em vigor e pode ser modificada ou vetada, ainda no processo legislativo. No sistema atual, a coragem e a vergonha na cara de Juízes e Promotores de Justiça vocacionados podem fazer com que a criança filha de adolescente possa ter a melhor solução para sua vida. Quando possível sua manutenção com sua genitora, por ser perceptível as condições de afeto e cuidado da família, essa solução é a mais acertada. Mas, verificada a situação de implausibilidade de qualquer recuperação da uma adolescente com desvios de conduta, a única possibilidade para defender os direitos da criança é disponibilizá-la para adoção, sem prejuízo da inclusão da adolescente nos tratamentos e atendimentos adequados. A criança em primeiro lugar!