Publicado em: 4 de outubro de 2008.
Ser amado é uma das sensações mais prazerosas que o ser humano pode experimentar.
Por Sávio Bittencourt
(matéria publicada no jornal O Estado , de Fortaleza)
Ser amado é uma das sensações mais prazerosas que o ser humano pode experimentar. Ser especial, causar satisfação e felicidade a alguém, fazer a diferença na vida das pessoas! Esta experiência nos é ensinada na infância, na qual somos conscientemente o centro do mundo. É realmente confortante saber que há apreço e carinho nos corações que te cercam que querem te proteger e acomodar. É a grande semeadura de autoestima na alma humana, que irá florescer e se tornar uma densa floresta de amor próprio. É a paz profunda do ser-muito-amado!
Uma densa floresta de amor próprio! Como ela é fundamental em nossa vida adulta, cheia de dissabores e contratempos! É esta reserva de amor próprio que nos obriga a respeitar nossa existência digna quando as coisas fogem ao controle, nos sustenta nas situações adversas, nas relações desgastadas, nas amizades e amores desfeitos. Sem essa consciência da nossa importância, dessa filiação divina que me obriga a ser respeitável e digno, seríamos abatidos completamente pela primeira tempestade.
Quando nosso mundo estremece e as coisas parecem fora do controle é nessa floresta densa, semeada na nossa infância, que vamos buscar a fonte de água cristalina que nos refresca. Lá há o silêncio absoluto. O silêncio reconfortante, de se saber amado, que é inesquecível, é perpétuo. Nos reconhecemos neste local, na nossa essência mais pura, sem os erros e vícios que fomos incorporando no mundo.
Uma forma eficaz monitorar nossa felicidade é revisitar esta floresta densa de afeto com os nossos propósitos e práticas da vida que levamos. Será que nossas ações nos dias de hoje, de vida madura, são condizentes com aquela lógica do amor silencioso? Minhas atitudes são compatíveis com aquele bom caráter do ser muito amado que fui e sou? O que aconteceu com aqueles sonhos mais ternos, éticos e justos? Desapareceram na poeira do mundo?
Podemos ir a este santuário interno a todo tempo. Ele está sempre aberto e disponível. Funciona como um mediador para os excessos do cotidiano, refreia nosso ímpetos menos amorosos. É a fórmula para uma autocrítica segura, sem exageros que nos levassem a acreditar que somos imprestáveis, nem superficialidade que nos deixassem inconscientes da necessidade de mudança de comportamento. Tudo isso por uma sementinha de amor, cultivada na infância!
Parece ser uma ideia comum, unânime, a afirmação de que viver em família é fundamental para o amor próprio das crianças, nos anos de formação de seu caráter e personalidade. A pergunta que não quer calar, e não se calará enquanto houver uma só criança sem família, é porque se permite, com tantas pessoas pagas para garantir os direitos da infância, que uma criança passe sua infância afastada do convívio familiar. Por quê? Porque ela não retorna a sua família de origem? Se há risco para ela nesta família original, porque ela não vai para uma família adotiva? Porque? Porque há tantos conselhos, tantos debates, tantas reuniões, tanta gente tratando do mesmo assunto, tanto discurso social, sem que mudanças radicais sejam providenciadas nesta questão da convivência familiar?
Nenhuma resposta a estas questões pode realmente apagar a realidade: o sistema de institucionalização no Brasil é criminoso e abjeto, incompatível com nossa legislação e todos os discursos que não apontem para sua imediata transformação são demagógicos, mentirosos e levianos. O amor não permite condescendência com a omissão. Amor é atitude.